(no dia 7 de outubeo de 1955 Allen Ginsberg lê a primeira parte que havia acabdo há pouco de fazer. meses depois completou o poema)
sexta-feira, 25 de setembro de 2015
O UIVO - 1ª parte
ALLEN GINSBERG
O UIVO
para Carl Solomon
I
Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela loucura,
morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma
dose violenta de qualquer coisa,
hiperstenite com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato
celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados
na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água
quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos
maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando
Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos &
publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descascada em
roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestos de papel escutando o
Terror através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando por Laredo com um
cinturão de marihuana para Nova Iorque,
que comeram fogo em hotéis mal pintados ou beberam terebentina em
Paradise Alley, morreram ou flagelaram seus torsos noite após noite
com som, sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, álcool e
caralhos em intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula, e clarão na
mente pulando nos postes dos pólos de Canadá & Paterson,
iluminando completamente o mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de quintal das
verdes árvores do cemitério, porre de vinho nos telhados, fachadas
de lojas de subúrbio na luz cintilante de neon do tráfego na
corrida de cabeça feita do prazer, vibrações de sol e lua e árvore
no tronco de crepúsculo de inverno de Brooklyn, declamações entre
latas de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o infindável percurso
do Battery ao sagrado Bronx de benzedrina até que o barulho das
rodas e crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca
arrebentada o despovoado deserto do cérebro esvaziado de qualquer
brilho na lúgubre luz do Zoológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford´s, voltaram
à tona e passaram a tarde de cerveja choca no desolado Fuggazi´s
escutando o matraquear da catástrofe na vitrola automática de
hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do parque ao apê ao bar
ao Hospital Bellevue ao Museu à Ponte do Brooklyn,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando dos gradis das
escadas de emergência dos parapeitos das janelas do Empire State da
Lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos e lembranças e
anedotas e viagens visuais e choques nos hospitais e prisões e
guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total com os olhos
brilhando por sete dias e noites, carne para a sinagoga jogada à
rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de lugar algum deixando um
rastro de postais ambíguos do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas de ossos e
enxaquecas da China por causa da falta da droga no quarto pobremente
mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da ferrovia
perguntando-se aonde ir e foram, sem deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões
de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente pela neve até
solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia e
bop-cabala pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus pés em
Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando anjos índios
e visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore apareceu em
estase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma no impulso da
chuva de inverno na luz das ruas da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando jazz ou sexo ou
rango e seguiram o espanhol brilhante para conversar sobre a América
e a Eternidade, inútil tarefa, e assim embarcaram num navio para a
África,
que desapareceram nos vulcões do México nada deixando além da
sombra das suas calças rancheiras e a lava e a cinza da poesia
espalhadas pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barba e
bermudas com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas peles
morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando contra o
nevoeiro narcótico de tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union Square, chorando
e despindo-se enquanto as Sirenes de Los Alamos os afugentavam
gemendo mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e também gemia
a balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e
trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos carros de
presos por não terem cometido outro crime a não ser sua transação
pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do telhado
sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados e
berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins humanos, os
marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na grama
de jardins públicos e cemitérios, espalhando livremente seu sêmen
para quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acabaram
choramingando atrás de um tabique de banho turco onde o anjo loiro e
nu veio trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três megeras do destino, a
megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha que pisca de
dentro do ventre e a megera caolha que só sabe sentar sobre sua
bunda retalhando os dourados fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa de cerveja, uma
namorada, um maço de cigarros, uma vela, e caíram na cama e
continuaram pelo assoalho e pelo corredor e terminaram desmaiando
contra a parede com uma visão da boceta final e acabaram sufocando o
derradeiro lampejo da consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas trêmulas ao
anoitecer, acordaram de olhos vermelhos no dia seguinte mesmo assim
prontos para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas nos
celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados à
noite, N.C., herói secreto destes poemas, garanhão e Adônis de
Denver – prazer ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas
em terrenos baldios & pátios dos fundos de restaurantes de beira
de estrada, raquíticas fileiras de poltronas de cinema, picos de
montanha cavernas com esquálidas garçonetes no familiar levantar de
saias solitário à beira da estrada & especialmente secretos
solipsismos de mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram transportados em
sonho, acordaram num Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma
impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror dos sonhos de ferro da
Terceira Avenida &cambalearam até as agências de desemprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue pelo cais
coberto por montões de neve, esperando que uma porta se abrisse no
East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos de apartamentos do
Huston à luz azul de holofote antiaéreo da luta & suas cabeças
receberão coroas de louro no esquecimento,
que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação ou digeriram o
caranguejo do fundo lodoso dos Rios de Bovery,
que choraram diante do romance das ruas com seus carrinhos de mão
cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando a escuridão sob a ponte
e ergueram-se para construir clavicórdios em seus sótãos,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de chamas sob um céu
tuberculoso rodeados pelos caixotes de laranja da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre invocações
sublimes que ao amanhecer amarelado revelaram-se versos de tagarelice
sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração pé rabo
borsht & tortilhas sonhando com o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu lance de aposta
pela Eternidade fora do Tempo & despertadores caíram em suas
cabeças por todos os dias da década seguinte,
que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes seguidas,
desistiram e foram obrigados a abrir lojas de antiguidades onde
acharam que estavam ficando velhos e choraram,
que foram queimados vivos em seus inocentes ternos de flanela em
Madison Avenue no meio das rajadas de versos de chumbo & o
estrondo contido dos batalhões de ferro da moda & os guinchos de
nitroglicerina das bichas da propaganda & o gás mostarda de
sinistros editores inteligentes ou foram atropelados pelos táxis
bêbados da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente aconteceu, e
partiram esquecidos e desconhecidos para dentro da espectral
confusão das ruelas de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,
nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se da janela do metrô
saltaram no imundo rio Paissac, pularam nos braços dos negros,
choraram pela rua afora, dançaram sobre garrafas quebradas de vinho
descalços arrebentando nostálgicos discos de jazz europeu dos anos
30 na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram gemendo no toalete
sangrento, lamentações nos ouvidos e o sopro de colossais apitos a
vapor,
que mandaram brasa pelas rodovias do passado viajando pela solidão
da vigília da cadeia de Gólgota de carro envenenado de cada um ou
então a encarnação do Jazz de Birmingham,
que guiaram atravessando o país durante setenta e duas horas para
saber se eu tinha tido uma visão ou se ele tinha tido uma visão
para descobrir a Eternidade,
que viajaram para Denver, que morreram em Denver, que retornaram a
Denver & esperaram em vão, que espreitaram Denver & ficaram
parados pensando & solitários em Denver e finalmente partiram
para descobrir o Tempo & agora Denver está saudosa de seus
heróis,
que caíram de joelhos em catedrais sem esperança rezando por sua
salvação e luz e peito até que a alma iluminasse seu cabelo por um
segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão aguardando
impossíveis criminosos de cabeça dourada e o encanto da realidade
em seus corações que entoavam suaves blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um vício ou às Montanhas
Rochosas para o suave Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico
Sul para a locomotiva negra ou Havard para Narciso para o cemitério
de Woodlaw para a coroa de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando o rádio de
hipnotismo & foram deixados com sua loucura & e mãos &
um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da Universidade de
Nova Iorque sobre Dadaísmo e em seguida se apresentaram nos degraus
de granito do manicômio com cabeças raspadas e fala de arlequim
sobre suicídio, exigindo lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da insulina metrazol
choque elétrico hidroterapia psicoterapia terapia ocupacional
pingue-pongue & amnésia,
que num protesto sem humor viraram apenas uma mesa simbólica de
pingue-pongue mergulhando logo a seguir na catatonia,
voltando anos depois, realmente calvos exceto por uma peruca de
sangue e lágrimas e dedos para a visível condenação de louco nas
celas das cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores fétidos,
brigando com os ecos da alma, agitando-se e rolando e balançando no
banco de solidão à meia-noite dos domínios de mausoléu druídico
do amor, o sonho da vida um pesadelo, corpos transformados em pedras
tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro fantástico atirado
pela janela do cortiço e a última porta fechada às 4 da madrugada
e o último telefone arremessado contra a parede em resposta e o
último quarto mobiliado esvaziado até a última peça de mobília
mental, uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do
armário e até mesmo isso imaginário, nada mais que um bocadinho
esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não estarei a salvo
e agora você está inteiramente mergulhado no caldo animal total do
tempo –
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas por um súbito
clarão da alquimia do uso da elipse do catálogo do metro inviável
& do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no Tempo & Espaço
através de imagens justapostas e capturaram o arcanjo da alma entre
2 imagens visuais e reuniram os verbos elementares e juntaram o
substantivo e o choque da consciência saltando numa sensação de
Pater Omnipotens Aeterne Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficaram
parados à sua frente, mudos e inteligentes e trêmulos de vergonha,
rejeitados todavia expondo a alma para conformar-se aoritmo do
pensamento em sua cabeça nua e infinita,
o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo, desconhecido mas mesmo
assim deixando aqui o que houver para ser dito no tempo após a
morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem fantasmagórica do jazz no
espectro de trompa dourada da banda musical e fizeram soar o
sofrimento da mente nua da América pelo amor num grito de saxofone
de eli eli lama lama sabactani que fez com que as cidades tremessem
até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado de seus corpos
bom para comer por mais mil anos.
(no dia 7 de outubeo de 1955 Allen Ginsberg lê a primeira parte que havia acabdo há pouco de fazer. meses depois completou o poema)
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